Garrote Vil (Métodos de Tortura #03)


Para os Congoleses, o pescoço é o símbolo da comunicação da alma com o corpo. Para os Guaranis, é onde se encontra a alma animal que condiciona o temperamento do homem. Sob uma visão aproximada disso, os antigos torturadores utilizavam a técnica do Garrote Vil para humilhar e punir os condenados com uma morte dolorida e lenta. Confira nesta matéria uma verdadeira  bizarrice que é praticada ainda nos dias de hoje!

O instrumento é originário da Espanha, onde foi utilizado legalmente desde 1820 até a abolição da pena de morte, pela Constituição de 1978. Não situa-se exatamente dentro do período medieval (séculos V a XV), mas assim como esta, incluirei muitos métodos de tortura como "Medievais" devido às referências que temos, no senso comum, aos povos bárbaros (409 a 711 d.C), que eram tidos como pessoas cruéis, brutas, belicosas e insensíveis, assim como todo e qualquer torturador, seja da antiguidade, ou dos dias atuais. Mudam-se os tempos, mas ainda vivemos na Idade Média, infelizmente.
Museu da Tortura, de Freiburg, na Alemanha.
Museu da Tortura, de Amsterdã.
Inicialmente, o aparelho era aplicado ao pescoço da vítima, que era mantida imóvel e amarrada a uma cadeira, com algo como um torniquete feito de correntes, corda, lenço, fio ou linha de pesca, que ia sendo apertado aos poucos, provocando o estrangulamento da pessoa. A execução ocorria por asfixia, à medida que o colar era comprimido por uma roldana manual. Alguns anos depois, foi alterado pela colocação de um colar de ferro que tinha um pequeno buraco, por onde entrava um parafuso que penetrava a coluna vertebral, quebrando as vértebras cervicais do condenado. O movimento também empurrava o pescoço para frente, esmagando a traqueia.



Garrote Vil em Cuba
Este é um quadro de Pedro Berruguete, "São Domingos Presidindo um Auto de Fé", de 1475. è um dos primeiros registros do uso do garrote. Os autos de fé eram eventos de penitência realizados publicamente com a humilhação de heréticos e apóstatas (pessoas que renunciam uma religião), colocados em prática durante a Inquisição Espanhola e Portuguesa. Nesses eventos, os condenados eram queimados vivos, caso não se arrependessem. Contudo, se demonstrassem arrependimento e decidissem reconciliar com o Catolicismo, os carrascos procederiam ao "piedoso" ato de os garrotear antes de acender a pira de lenha.


A versão "moderna" do garrote com o parafuso foi chamado de "Garrote Catalão", e foi muito utilizado nas Filipinas pelas autoridades americanas, entre os anos de 1898 e 1902.

1901, execução em Manila, Filipinas

O método foi utilizado por diversos países durante a conquista da América, como para executar o último Imperador Inca, Atahualpa, em 1533.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o garrote foi regularmente utilizado como arma pelos soldados como meio silencioso de eliminar sentinelas e outros inimigos. As instruções do uso e improvisação está incluído, ainda hoje, nos treinamentos de muitas unidades militares de elite e forças especiais.

Na Índia, foi amplamente empregado nos séculos XVII e XVIII, como dispositivo de assassinato, em especial pelo grupo dos Thugs, uma fraternidade secreta de assassinos e ladrões de viajantes. Historiadores classificam esse grupo como um culto ou seita. O modus operandi era disfarçarem-se de nativos amigáveis e guias até que levassem as comitivas para um lugar determinado. Os assassinos praticavam estrangulamento por garrote usando um lenço amarelo chamado de "Rumaal", que traziam amarrado na cintura. Após roubar as vítimas, eles escondiam os corpos, enterrando-os ou emparedando-os em muros.

Grupo de Thugs, 1863.
Os últimos executados por esse sistema foram o anarquista catalão Salvador Puig Antich e o alemão Heiz Ches, ambos no dia 2 de março de 1974, quase na mesma hora, mas em locais diferentes.


O termo "vil" vem do sistema de leis da Espanha, onde a Decapitação era luxo reservado aos nobres e pessoas ricas, enquanto o Garrote era uma forma mais vulgar de execução, aplicada aos criminosos camponeses e pobres.

Quero destacar duas execuções, dentre tantas, que me chamaram a atenção. A primeira é a condenação de um brasileiro, Domingos Fernandes Calabar (1600-1635). Ele era um senhor de engenho na capitania de Pernambuco que, inicialmente era aliado dos portugueses, que guerreavam por domínios de terras no Brasil com os holandeses. Posteriormente, mudou de lado, tornando-se aliado da Holanda, que invadiu o Nordeste do Brasil. Ele é tido pelos estadunidenses como o maior traidor da história brasileira. Os historiadores não sabem se a mudança de lado deveu-se por ambição, por desejo de recompensa, por convicção de que os holandeses seriam vitoriosos, ou por supor que os holandeses trariam mais progressos ao Brasil do que os portugueses. O fato é que ele era profundo conhecedor do território, tanto pelo litoral, quanto pelas matas, rios e manguezais, pois construiu sua riqueza através do comércio e do contrabando andando por essas terras. Quando foi capturado, foi tratado como o mais vil traidor dos portugueses, foi garroteado e esquartejado, e suas partes foram expostas na paliçada de Fortaleza, demonstrando o destino dos traidores.

Chico Buarque, movido pela opressão do regime ditatorial militar no Brasil nos anos 1964 a 1985 , fez uso de brilhantes metáforas em suas produções artísticas para denunciar os abusos e a situação da época. Uma dessas metáforas fazia uma revisitação da traição de Calabar, intitulando uma peça teatral musicada de sua autoria de "Calabar: O Elogio da Traição", fazendo uma alusão à morte dos traidores da ditadura, e chamando o povo a se rebelar, a "mudar de lado". Veja este trecho da peça:


Romeu de Avelar era um jornalista e historiador alagoano que primeiro escreveu um livro sobre Calabar, em 1938, contestando a ideia de que ele seria traidor e que, por ser brasileiro e não português, tinha todo direito de decidir de que lado lutar. Avelar mostra um Calabar não apenas corajoso, mas também um patriota, porque foi revolucionário ao demonstrar, com suas atitudes, que o povo brasileiro podia sim lutar e vencer qualquer de seus invasores.


A segunda condenação por garrote que gostaria de destacar é a da última mulher executada em Portugal. Luísa de Jesus (1750-1772) foi morta aos 22 anos de idade por ter assassinado 33 bebês abandonados, que ela ia buscar pelas ruas de Coimbra na Roda dos Expostos ou Roda dos Enjeitados, que era um mecanismo em forma de tambor ou porta giratória, embutido em uma parede, onde os bebês eram deixados aos cuidados da caridade. Este dispositivo era construído para que aquele que expunha a criança não fosse visto por aquele que a recebia. As primeiras Santas Casas de Misericórdia, na América dos portugueses, que receberam a Roda dos Expostos foram as de Salvador, em 1726, e as do Rio de Janeiro, em 1738.


Luísa de Jesus ia às Rodas às vezes usando seu nome verdadeiro e outras vezes usando um nome falso, apenas com o intuito de se apoderar do enxoval do bebê e embolsar os 600 réis que eram dados toda vez que se ia buscar uma criança. A mulher confessou apenas 28 homicídios, mas foi humilhada, insultada e praticamente linchada pelas ruas de Lisboa, tendo em seguida sido garroteada e queimada em execução pública. Uma verdadeira serial killer de bebês, fria e calculista.



No livro "O que é pena de morte", de Luís Francisco Carvalho Filho, o garrote é apontado como pena para quem cometesse sodomia (homossexualismo masculino, ou sexo anal, entre os heterossexuais).

O termo "garrote vil" hoje é usado muito comumente quando se quer expressar uma forma de colocar alguém sob pressão, prensá-lo na parede, não literalmente, mas como meio de fazê-lo confessar algo, ou fazer alguma coisa. Na política, por exemplo. 
 
Este é apenas um dos tipos de torturas feitas na região do pescoço. Existe ainda a Braçadeira Cervical, o Garfo da Heresia, entre outros, que postarei na sequência.

O Garrote Vil na Cultura Pop

No filme "Goya's Ghost", o personagem Irmão Lorenzo (Javier Bardem) é executado pelo garrote vil.


O filme "Salvador", com Daniel Brühl, retrata a vida do anarquista catalão Salvador Puig Antich, o último executado pelo método na prisão modelo de Barcelona, na Espanha.


A banda death metal Cannibal Corpse tem uma música "The Strangulation Chair", que faz referência aos condenados ao garrote vil.


Fontes e agradecimentos:
OMG Facts
Hide Me
Mseto News
Captain Tarek Dream
Wikipedia

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